Rodominério, NÃO; Meio Ambiente, SIM! Por Frei Gilvander Moreira[1]
Vivemos um tempo perigoso. O
capitalismo, máquina de moer vidas, está funcionando a todo vapor, triturando
vidas de bilhões de pessoas e de outros seres vivos da biodiversidade. Estamos
em tempos de fundamentalismos, de céus povoados de anjos e entidades, de
demônios por todos os lados, de gritaria de deuses, de promessas, de busca
insaciável de bênçãos, de necessidade de expiação, de moralismos, de religiões
sem Deus, de salvações sem escatologia, de cristianismos light, de libertações que não vão
muito além da autoestima. Enfim, tempos de autoajuda, de dar um jeitinho para
ir empurrando a vida.
Clamores ensurdecedores brotam
dos porões da humanidade. “Gemendo em dores de parto”, a mãe Terra clama para
ser salva, pois está sendo crucificada impiedosamente pelos grandes projetos
capitalistas. Medo, insegurança e instabilidade atingem a todos/as. Atualmente
insiste em imperar uma mística antievangélica do descompromisso com os pobres e
com a luta por justiça. Os pobres, além de empobrecidos, são marginalizados,
injustiçados e acusados de serem os responsáveis primeiros pela sua situação de
miséria. Inverte-se a realidade: os verdugos tentam parecer bons samaritanos.
Pela ideologia dominante, as vítimas são consideradas vagabundas,
irresponsáveis e bagunceiras.
Neste contexto dramático e no meio da
mais letal pandemia dos últimos cem anos, o (des)governador de Minas Gerais
anunciou recentemente o Projeto de construir o 3º rodoanel em Belo Horizonte e
Região Metropolitana (RMBH). Belo Horizonte (BH) já tem dois: a Av. do Contorno
e o Anel Rodoviário. Com cerca de 6 milhões de pessoas, BH e as 34 cidades que conformam sua região metropolitana constituem
a terceira maior aglomeração urbana do país, representando em torno de 40% da
economia e 25% da população do estado de Minas Gerais. Se for construído,
o rodoanel será na prática rodominério para a Vale S/A e outras mineradoras
ampliarem mineração em BH e RMBH e poderá estrangular o abastecimento público de
água em Belo Horizonte e RMBH, pois passaremos da crise hídrica ao colapso e
exaustão hídrica para 6 milhões de pessoas.
A previsão é que o rodoanel tenha 100,6
quilômetros, pista dupla (autoestrada ‘da morte’, de “1º mundo”), com quatro
alças: Norte, Sul, Oeste e Sudoeste. O governo de MG investirá 4,5 bilhões de
reais, dinheiro oriundo da Vale S/A mediante o Acordão do Governo Zema com a
mineradora ignorando a dor e os direitos das comunidades atingidas na bacia do
rio Paraopeba pelo crime/tragédia da Vale a partir de Brumadinho, MG. Preveem-se
cinco anos de obras para construí-lo mediante concessão para uma grande empresa,
via Parceria Público-Privada (PPP) para construir, implantar, operar e manter
durante décadas. Serão desapropriados terrenos e imóveis em uma faixa de 170 a
400 metros de largura, mais ou menos, em uma extensão de mais de 100
quilômetros. Serão milhares de desapropriações, que serão paulatinas, uma alça
de cada vez. A 1ª desapropriação será em 2023, ou seja, após as eleições de
2022. Projeto eleitoreiro. Para evitar adensamento populacional ao lado, o rodoanel
terá acessos reduzidos, só de oito em oito quilômetros. Ou seja, na prática, o
rodoanel (rodominério) será uma ‘muralha’ com mais de 100 quilômetros de
extensão que irá sitiar, confinar, ilhar ou separar centenas de bairros em 13
municípios da RMBH. Eis um “critério de
seleção da empresa construtora: Menor valor de contrapartida pelo poder
concedente, o Estado”. Critério capitalista que privilegia as maiores
empresas.
Desde 2007, já houve várias licitações
para construir este rodoanel, alças Norte e Oeste, mas foram todas anuladas.
Por que não esperar o fim da pandemia para discutir com o povo este megaprojeto?
Dizem que “o traçado proposto é uma
diretriz, podendo a concessionária modificá-lo, na hipótese da evolução dos
projetos indicar soluções de melhor viabilidade.” Absurdo! A empresa
construtora poderá definir o trajeto, onde passar, o que afetar ou não. Isso é
liberdade total para os interesses do grande capital. Está previsto “preço quilométrico de pedágio por câmeras:
R$ 0,35/Km.” Ou seja, para percorrer os 100,6 quilômetros do rodoanel, um
automóvel pagará R$35,21 de pedágio. Futuramente este valor aumentará,
provavelmente. Dizem que terá “menos 10%
de emissão de CO2”. Mentira. Se aumentará o trânsito, como diminuirá a emissão
de CO2?
O projeto do
rodoanel ignora que todas as cidades da Região Metropolitana de BH já foram
conectadas por ferrovias com linhas de trens de passageiros transportando o
povo até a capital mineira. Para melhorar os problemas de mobilidade o justo e
necessário é resgatar as linhas de trens entre as 34 cidades da RMBH e
restabelecer o transporte de passageiros via trens entre todas as cidades da
RMBH reconectando-as com BH, ampliar o metrô para a RMBH e superar as
injustiças reinantes no transporte público através de ônibus. Não é ético usar dinheiro
da reparação de um crime/tragédia que matou 273 pessoas, o rio Paraopeba e
violentou brutalmente milhares de pessoas e comunidades para construir
infraestrutura que vai beneficiar o grande capital. E, acima de tudo, a
reparação do crime da Vale S/A precisa ser para fortalecer as condições de
vida: fazer saneamento, produção de alimentos saudáveis de forma agroecológica
e indenizar os/as atingidos/as de forma integral. Descentralizar a megalópole é
o caminho, o que exige preservar o meio ambiente.
O projeto do Rodoanel ignora o
caráter imprescindível do Parque Estadual Serra do Rola Moça para o estado,
para os municípios e para a biodiversidade. Ignora e sacrifica mananciais que
abastecem BH e RMBH. Sacrificará milhares de famílias que vivem da agricultura familiar.
Violentará fauna, flora, nascentes, cachoeiras, Mata Atlântica, cerrado com
campos rupestres, cavernas, áreas de proteção ambiental e agredirá patrimônio
histórico, arqueológico e cultural, como sítios arqueológicos, cavernas com
pinturas rupestres, cemitérios, entre outros. Comunidades quilombolas também
serão afetadas. Assim, o projeto do rodoanel (Rodominério) é obra faraônica,
autoritária, eleitoreira, ecocida, hidrocida, cavalo de troia etc. Por isso, o
projeto do rodominério exige rechaço implacável e não pode nem ser iniciado.
A
chegada de um grande projeto é sempre envolvida por campanha publicitária
espetacular que anuncia estar chegando à região uma alavanca de desenvolvimento
social, geradora de emprego e que não irá causar grandes males à já tão sofrida
natureza, à biodiversidade e às pessoas. Chefes da política, da economia e até
da religião são cooptados e muita gente seduzida. Assim, o povo acolhe esses grandes
projetos como se fossem benfeitores que trarão emprego e melhorias sociais,
mas, logo, descobre que se geram poucos empregos e, não raras vezes, em
condições análogas à de escravidão. Acontece o que ensina a Fábula do Escorpião e o Sapo, que narra: Um escorpião pede a um sapo que o leve através de um
rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião argumenta
que não há motivo para o sapo temer tal traição, pois se picasse o sapo, esse
afundaria e o escorpião da mesma forma iria junto afogar. O sapo concorda e começa a carregar o
escorpião, mas no meio do caminho, o escorpião, de fato, aferroa o sapo,
condenando ambos. Quando perguntado por quê, o escorpião responde que esta é a
sua natureza. Isso mesmo: a natureza do capitalismo é aferroar vidas o tempo
todo e cada vez com mais veneno. O funcionamento do capitalismo exige expansão,
crescimento sem limites. Isso é impossível, pois a natureza precisa de tempo
para se recuperar das agressões. A mercadoria, base da acumulação do capital, destrói
o ambiente e explora os trabalhadores. Portanto, não dá mais para acreditar que
na nossa caminhada na vida o capitalismo seja a melhor companhia.
As
cidades, a partir das metrópoles, estão se tornando cidades empresas com muitos
megaprojetos que são verdadeiras torres de Babel. A gula especulativa das
grandes empresas e dos seus acionistas parece não ter fim. Os pobres estão
sendo expulsos para as periferias das periferias. A história, a cultura e a
dignidade humana vão sendo tratoradas para dar lugar a arranha-céus, outras
torres de Babel. Faz bem recordar que Deus criou, nas ondas da evolução, tudo
em seis dias e no sétimo dia descansou. Conta-se que alguém teria perguntado a
Deus porque ele resolveu descansar após o sexto dia. Deus teria dito que já
tinha criado tudo com muito amor e para o bem da humanidade e de toda a
biodiversidade. Quando viu que faltava criar a cidade, o Deus criador concluiu
que era melhor descansar.
A estrutura de violência e de exclusão está fragmentando as multidões, deixando as pessoas em cacos. É hora de recompor os cacos em um grande e articulado mosaico. É hora de reintegrar as nossas forças e energias vitais para superarmos o sistema do capital e construirmos uma sociedade do Bem Viver, com justiça agrária, justiça urbana, justiça socioambiental, justiça social e justiça geracional. Tudo isso exige: “Rodominério, NÃO; Preservação ambiental, SIM!”[2]
13/04/2021
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo,
ilustram o assunto tratado acima.
1 - Rodoanel - Rodominério - e seus
impactos ao Meio Ambiente na Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG.
2 - Live – RODOANEL, RODOMINÉRIO!
Escassez hídrica e os Impactos do Rodoanel em BH e RMBH.
3 - LIVE 33 - IMPACTO DO RODOANEL EM
BETIM E REGIÃO METROPOLITANA
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma,
Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de
“Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica
no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.
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