Brasil, colônia de superexploração? Por Frei Gilvander Moreira[1]
Brasil, nação emancipada ou colônia de
superexploração? Celebrar o Dia da Pátria, 7 de setembro de 2021? Como? Por que
e para que o 27º Grito dos Excluídos e das Excluídas? Muitos se referem ao
Brasil como nação brasileira. Cumpre recordar que ‘nação’ é uma invenção
recente, por volta de 1830. A palavra “nação”, do verbo latino nascor, significa nascer e advém do
substantivo derivado desse verbo natio
ou nação, que significa “parto de uma ninhada”. No final da Antiguidade e
aurora da Idade Média, a Igreja passou a usar o plural nationes (nações) para se referir aos pagãos, separando-os do populus Dei, o “povo de Deus”. Em Portugal, os judeus que se refugiavam na Península
Ibérica eram chamados de “homens da
nação”. No Brasil, os navegantes e os colonizadores se referiam aos
indígenas como “nações indígenas”, os “sem
fé, sem rei e sem lei” (Cf. CHAUI, 2000, p. 14). Menos recente do que a
categoria ‘nação’ são os termos ‘povo’ e ‘pátria’, palavra originada do latim pater, pai. Mas não pai no sentido de
genitor de seus filhos, mas de uma figura jurídica do antigo direito romano. “Pater é o senhor, o chefe, que tem a
propriedade privada absoluta e incondicional da terra e de tudo o que nela
existe, isto é, plantações, gado, edifícios (“pai” é o dono do patrimonium), e
o senhor, cuja vontade pessoal é lei, tendo o poder de vida e morte sobre todos
os que formam seu domínio (casa, em latim, se diz domus, e o poder do pai sobre
a casa é o dominium), e os que estão sob seu domínio formam a família (mulher,
filhos, parentes, clientes e escravos)” (CHAUI, 2000, p. 15).
“Patrimônio” é o que pertence ao pai. “Patrício” é
o que possui um “pai” nobre e livre. “Patriarcal” é a sociedade estruturada
segundo o poder do “pai”, enquanto senhor e chefe. Assim, uma sociedade
embasada no latifúndio se torna uma sociedade autoritária. Como cupim debaixo
das vigas da ponte, a luta pela terra corrói os pilares dessa sociedade autoritária.
Nesse sentido, a luta pela terra é também uma luta por democracia real e uma
luta antipatriarcal. A ideologia do verdeamarelismo, dos senhores de terra do
sistema colonial, do Império e da República Velha, foi elaborada durante muitas
décadas pela classe dominante brasileira como exaltação do “país essencialmente agrário” e buscava
legitimar o que restara do sistema colonial e a hegemonia dos proprietários de
terra durante o Império e o início da República, em 1889 (Cf. CHAUI, 2000, p.
32).
A colonização do Brasil foi predominantemente uma
empresa comercial predatória que teve como característica constante o
esmagamento da classe trabalhadora e do campesinato. “[...] à época da conquista a população de
Portugal, sendo insignificantemente pequena, não lhe permitia projetos de
povoamento” (FREIRE, 2002, p. 75). O padre Manoel da Nóbrega reclama dos
portugueses que no Brasil se interessam em arrumar “muitos navios carregados de ouro. [...] Não querem bem à terra, pois
têm a sua afeição em Portugal” (NOBREGA, 1955, p. 114). Caio Prado Júnior
explica que o Brasil foi formado para explorar/produzir e exportar
matérias-primas: “Se vamos à essência de
nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar,
tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamantes; depois, algodão e,
em seguida, café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal
objetivo [...] que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se
disporá naquele sentido: a estrutura bem como as atividades do país” (PRADO
JÚNIOR, 1957, p. 25-26).
A intenção capitalista de buscar “ouro, prata e
ferro” está expressa na carta de Pero Vaz de Caminha: “[...] até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa
alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons
ares” (CAMINHA apud AGUIAR, 1999,
p. 23). Assim continua sendo a prioridade da política econômica brasileira
agrária: produzir commodities para o
mercado externo e, mais do que isso produzir capital cada vez mais concentrado.
‘Importa exportar’ continua sendo a regra da economia brasileira. É o que nos
explica Fernando Novais: “A colonização
guardou na sua essência o sentido de empreendimento comercial donde proveio, a
não existência de produtos comercializáveis levou à sua produção, e disto
resultou a ação colonizadora [...] A colonização moderna, portanto, [...] tem
uma natureza essencialmente comercial: produzir para o mercado externo,
fornecer produtos tropicais e metais nobres à economia europeia [...] apresenta-se
como peça de um sistema, instrumento da acumulação primitiva da época do
capitalismo mercantil” (NOVAIS, 1979, p. 68).
Atualmente no Brasil, a colonização contemporânea mantém os mesmos princípios e ampliou o raio de exportação: não só para a Europa, mas para a China, Estados Unidos e Japão, sem contar um grande número de países de todos os continentes. Determinado pelo modo de produção capitalista, o Brasil foi formado e forjado para ser colônia de exploração e não uma colônia de povoamento. Ainda hoje quando a classe dominante fala em ‘progresso’, pensa no avanço das atividades agrárias e extrativas. Segundo Celso Furtado, a divisão internacional do trabalho especializa alguns países na atividade agrário-exportadora. Ao Brasil tem sido reservado esse papel. Marilena Chauí desmistifica e desmascara o processo de industrialização do Brasil, ao ponderar: “A industrialização jamais se tornou o carro-chefe da economia brasileira como economia capitalista desenvolvida e independente. Na divisão internacional do trabalho, a industrialização se deu por transferência de setores industriais internacionais para o Brasil, em decorrência do baixo custo da mão de obra, e o setor agrário-exportador jamais perdeu força social e política” (CHAUI, 2000, p. 36). Por isso, injustamente e sob uma violência estrutural institucionalizada que de forma brutal se reproduz cotidianamente, o Brasil segue sendo não apenas uma colônia de exploração, mas de superexploração da dignidade humana e da dignidade de toda a biodiversidade e seus ecossistemas. Neste contexto, o dia 7 de setembro, Dia da Pátria, precisa ser celebrado mais do que nunca como Grito dos Excluídos e das Excluídas por Democracia, Participação Popular, Saúde, Comida no prato, Vacina no Braço, Terra para todos/as, Moradia, Trabalho, Direitos Trabalhistas, Previdenciários e Ambientais e Renda, já! Sigamos a luta para reconstruirmos o Brasil a partir do monte de escombros que a elite do atraso lhe impôs.
08/09/2021
Referências
AGUIAR,
Flávio (org.). Com palmos medida, Terra,
trabalho e conflito na literatura brasileira. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo/Boitempo, 1999.
CHAUI,
Marilena. Brasil: mito fundador e
sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
NÓBREGA, padre Manoel da. Cartas
do Brasil e Mais Escritos. Coimbra: Acta Universitalis Conimbrigensis,
1955.
NOVAIS, Fernando. Portugal e
Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1888). São Paulo: Hucitec,
1979.
PRADO Júnior, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 5ª
edição. São Paulo: Brasiliense, 1957.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo,
ilustram o assunto tratado acima.
1 - Vacinação derruba
mortes por Covid-19 no Brasil, com o epidemiologista Pedro Hallal
2 - LIVE 41 - COMBATE
À CORRUPÇÃO E CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA NO BRASIL
3 - "Não tenho
ar": o desespero de brasileiros na semana mais letal da pandemia -
Fantástico - 07/3/2021
4 - Capitã Pedrina:
"Mineração mata e trucida desde os tempos do Brasil Colônia, da
escravidão"1º/3/2021
5 - Há racismo
estrutural no Brasil, sim! - Por frei Gilvander - 08/12/2020
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da
CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB
(Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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