Divisão do trabalho, propriedade e escravidão. Por Frei Gilvander Moreira[1]
Como acontecem as relações sociais em uma sociedade
capitalista? A ideologia dominante diz que no capitalismo há liberdade. Qual?
Para quem? Na realidade, no capitalismo, a tríade “divisão do trabalho,
propriedade privada capitalista e escravidão” tecem relações sociais
escravocratas que causam superexploração da dignidade humana e de toda a
natureza. Vejamos! “A linguagem é tão
antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática, que
existe para as outras pessoas e que, portanto, também existe para mim mesmo; e
a linguagem nasce, tal como a consciência, do carecimento, da necessidade de
intercâmbio com outras pessoas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34). Iniciada na
divisão do trabalho na família, a divisão do trabalho transformou o mundo da
produção e o mundo das relações sociais. Com a divisão do trabalho, dividem-se
as famílias na sociedade ficando opostas umas às outras, estabelecendo a
distribuição desigual do trabalho e do seu produto. Assim, se cria, na família,
de forma embrionária, a noção de propriedade, em que mulher e filhos passam a
ser coisas/escravos do homem. A noção de propriedade diz respeito ao poder de
dispor da força de trabalho alheia. Assim, divisão do trabalho, propriedade e
escravidão constituem a tríade que sustenta a sociedade capitalista.
“Com a
divisão do trabalho, na qual todas essas contradições estão dadas e que, por
sua vez, se baseia na divisão natural do trabalho na família e na separação da
sociedade em diversas famílias opostas umas às outras, estão dadas ao mesmo
tempo a distribuição e, mais precisamente, a distribuição desigual, tanto
quantitativa quanto qualitativamente, do trabalho e de seus produtos; portanto,
está dada a propriedade, que já tem seu embrião, sua primeira forma, na
família, onde a mulher e os filhos são escravos do homem. A escravidão na
família, ainda latente e rústica, é a primeira propriedade, que aqui, diga-se
de passagem, corresponde já à definição dos economistas modernos, segundo a
qual a propriedade é o poder de dispor da força de trabalho alheia” (MARX;
ENGELS, 2007, p. 36).
Com a divisão do trabalho, “cada pessoa passa a ter um campo de atividade exclusivo e determinado,
que lhe é imposto e ao qual não pode escapar” (MARX; ENGELS, 2007, p. 37).
Ainda mais com o exército de reserva de desempregados, o/a trabalhador/a é
obrigada/o a aceitar qualquer tipo de trabalho que lhe apareça, sem ter direito
de optar por aquilo que gosta de fazer ou que seja sua vocação. E não pode
também trabalhar em várias funções, o que cultivaria sua criatividade e seria
menos cansativo. “Na sociedade comunista,
onde cada um não tem um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se
em todos os ramos que agradam, a sociedade regula a produção geral e me
confere, assim, a possibilidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo” (MARX;
ENGELS, 2007, p. 38).
Não são as ideias que dominam o mundo e as pessoas,
mas “as ideias da classe dominante, são,
em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material
dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”
(MARX; ENGELS, 2007, p. 47). Por ter em suas mãos os meios de produção
material, a classe dominante domina também pensando, produzindo ideias que
regulam a (re)produção e a distribuição das ideias de seu tempo. A divisão de
trabalho acontece também no interior da classe dominante. Nesta, “uns serão os ideólogos ativos, criadores de
conceitos, que fazem da atividade de formação da ilusão dessa classe sobre si
mesma o seu meio principal de subsistência” (MARX; ENGELS, 2007, p. 48),
enquanto outros são os membros ativos dessa classe e se ocupam com a produção
de mais-valia e a acumulação do seu capital.
Para atingir seus fins, a classe dominante tem que
apresentar seu interesse como o interesse comum de todos os membros da
sociedade: “É obrigada a dar às suas
ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais,
universalmente válidas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 48).
“As relações
entre diferentes nações dependem do ponto até onde cada uma delas tenha
desenvolvido suas forças produtivas, a divisão do trabalho e o intercâmbio
interno. Esse princípio é, em geral, reconhecido. Mas não apenas a relação de
uma nação com outras, como também toda a estrutura interna dessa mesma nação
dependem do nível de desenvolvimento de sua produção e de seu intercâmbio
interno e externo. A que ponto as forças produtivas de uma nação estão
desenvolvidas é mostrado de modo mais claro pelo grau de desenvolvimento da
divisão do trabalho. Cada nova força produtiva, na medida em que não é a mera
extensão quantitativa de forças produtivas já conhecidas (por exemplo, o
arroteamento de terras), tem como consequência um novo desenvolvimento da
divisão do trabalho. A divisão do trabalho no interior de uma nação leva,
inicialmente, à separação entre o trabalho industrial e comercial, de um lado,
e o trabalho agrícola, de outro, e, com isso, à separação da cidade e do campo e
à oposição entre os interesses de ambos” (MARX; ENGELS, 2007, p. 89).
Na história da humanidade houve diversas concepções
de propriedade da terra. A primeira forma da propriedade é a propriedade tribal[2], que
pressupõe uma grande quantidade de terras incultas, baixa população e
corresponde à fase não desenvolvida da produção. O povo se alimentava da pesca
e da caça, pastoreando algum rebanho e/ou com algum início de agricultura, o
que criou as sociedades agrárias. A escravidão se desenvolve primeiro na família
com o aumento da população, com o crescimento das necessidades, com o aumento
do intercâmbio comercial e com as guerras.
“A segunda
forma de propriedade é a propriedade estatal ou comunal da Antiguidade, que
resulta da unificação de mais de uma tribo numa cidade por meio de contrato ou
conquista, e na qual a escravidão continua a existir” (MARX; ENGELS, 2007,
p. 90). Com o avanço do modo de produção surge a propriedade privada móvel,
depois a propriedade privada imóvel e vai-se desenvolvendo. “A terceira forma de propriedade é a
propriedade feudal ou estamental. Se a Antiguidade baseou-se na cidade e em seu
pequeno território, a Idade Média baseou-se no campo” (MARX; ENGELS, 2007,
p. 90). Com o declínio do Império Romano e sua conquista pelos chamados povos
bárbaros, mas que não eram bárbaros – eram humanos tanto quanto os latinos –
uma enorme quantidade de forças produtivas foram destruídas e com pestes e
guerras houve uma grande diminuição das populações, o que tornou possível ser
engendrado o modo de produção medieval com grandes territórios vazios. “A propriedade principal era constituída,
durante a época feudal, de um lado, pela propriedade da terra e pelo trabalho
servil a ela acorrentado e, do outro, pelo trabalho próprio com pequeno capital
que dominava o trabalho dos oficiais” (MARX; ENGELS, 2007, p. 91). Nas
cidades, “as castas ou os estamentos que
formavam esses núcleos dependiam física e socialmente do campesinato. [...]
Tudo e todos tornavam o camponês a base indispensável da reprodução social”
(MOURA, 1988, p. 10). Enfim, o
sistema capitalista se sustenta e se reproduz cotidianamente impondo a divisão
do trabalho, a propriedade privada dos meios de produção e do capital
financeiro e a escravidão nas relações sociais.
01/12/2021
Referências
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A
Ideologia Alemã: crítica da mais
recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e
do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo:
Boitempo Editorial, 2007.
MOURA, Margarida Maria. Camponeses. 2ª edição. São Paulo:
Editora Ática, 1988.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Rodoanel
na RMBH, racismo ambiental. Fora, Rodoanel! Respeite Santa Luzia/MG. Glaucon
Durães na ALMG
2 - Adv.
Henrique Lazarotti mostra a atrocidade que será Rodoanel na RMBH, se for
construído. Na ALMG/BH
3 - Frei
Gilvander na ALMG: "Qualquer Alternativa de Rodoanel na RMBH será
brutalmente devastadora."
4 - Acampamento
Marielle Vive, em Valinhos, SP, sob ameaça de despejo. Basta de despejo! –
28/11/21
5 -
Qualquer alternativa de traçado de RODOANEL na RMBH será devastadora (Frei
Gilvander/Rádio América)
6 - Ato
“Fora, Bolsonaro na Periferia”, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, MG:
BASTA! – 27/11/21
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da
CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB
(Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista de www.domtotal.com , de www.brasildefatomg.com.br , de www.revistaconsciencia.com , de www.racismoambiental.net.br e outros.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2]
Na década de 1840, o termo Stamm, na
língua alemã (tribo, clã, tronco, linhagem) desempenhava um papel fundamental
na ciência da história. Designava uma comunidade de pessoas que descendia de um
único e mesmo predecessor (Cf. Nota n. 17, MARX; ENGELS, 2007: 549).
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