Não vote em mercenários da fé. Por Frei Gilvander Moreira[1]
Na atual legislatura do Congresso
Nacional, na Câmara Federal e no Senado, existem mais de 100 deputados ou
senadores que são pastores, a maioria dos quais integram a chamada Bancada
Evangélica (da Bíblia) com 203 deputados, que está associada às Bancadas do Boi
com 210 deputados (Agronegócio) e da Bala (do armamentismo). A maioria dos
deputados e senadores pastores participam do Centrão, maioria ultraconservadora
do Congresso Nacional que sustenta o pior presidente que o Brasil já teve, se
negando inclusive a tramitar mais de 160 pedidos de impeachment apontando uma
série muito grande de crimes de responsabilidade do atual presidente e praticando,
com a cumplicidade do poder Judiciário e do antipresidente, um crime
gravíssimo, que é o orçamento secreto: distribuição de 5 bilhões de reais do
orçamento do Governo Federal sem transparência, alimentando currais eleitorais.
Nas eleições de 2022, o número de pastores candidatos aumentou em mais de 15%. Ultimamente,
eleição após eleição está crescendo o número de pastores eleitos. Isto não tem
melhorado a vida do povo. Aliás, tem piorado muito, pois assistimos a um
predominante abuso do nome de Deus e da dimensão espiritual das pessoas enquanto
os religiosos eleitos apoiam políticas de morte como o agronegócio brutalmente
devastador do meio ambiente e gerador de 33 milhões de famintos e a
necropolítica do atual antipresidente.
Na Bíblia e na fina flor de todas as
religiões há um rechaço veemente à idolatria, que é adorar ídolos. A pior
idolatria é tentar domesticar o Deus verdadeiro, amordaçá-lo e usar linguagem
religiosa com objetivo escuso de manipular a fé das pessoas para fins de obter
poder político e enriquecer-se. Os profetas e profetisas bradam contra a
idolatria. Segundo a profecia de Oseias, os sacerdotes são os grandes culpados
pela violência reinante. O povo percebe que os sacerdotes haviam se
transformado em assassinos e se comportavam como bandidos em emboscada (Os
5,9). Diante dessa dramática máfia religiosa e política, o povo, passando por
um processo sofrido de conversão, conclui, voltando-se para o Deus Javé: “é em
Ti que o órfão encontra misericórdia” (Os 14,4). A hipocrisia e o cinismo dos
sacerdotes na condução do culto fazem o povo descobrir que o caminho para a
libertação não passa pelos sacrifícios, mas pela misericórdia. A conclusão é:
“Misericórdia, sim; sacrifício, não!” (Os 6,6).
A mais cruel idolatria é a do mercado
idolatrado, que faz em nome do ídolo mercado ir “passando a boiada”, os
gigantes tratores devastando os ecossistemas para extrair minérios ou produzir
commodities para auferir acumulação de lucro e capital e deixando nos
territórios terra arrasada: desertificação, contaminação e crimes
socioambientais premeditados. E com isso jogando nas agruras da fome mais de 33
milhões de pessoas. Ai de quem usa em vão o nome de Deus e abusa de versículos
bíblicos citando-os para tentar legitimar posturas que geram discriminação,
opressão, injustiça, violência e morte de muitas formas! Sendo um camponês
indignado diante da injustiça agrária, social e urbana, o profeta bíblico Amós
brada: “Escutem exploradores dos
vulneráveis, opressores dos pobres do país! Vocês ficam maquinando: “Quando vai
passar a festa da lua nova para podermos pôr à venda o nosso trigo? Quando vai
passar o sábado para abrirmos o armazém para diminuir as medidas, aumentar o
peso e viciar a balança, para comprar os fracos por dinheiro, o necessitado por
um par de sandálias, e vender o refugo do trigo?” (Am 8,4-6). Esta veemente
profecia se encaixa perfeitamente em uma legião de pastores e padres que usam e
abusam do poder religioso que tem para se enriquecer, curtir vida luxuosa,
enquanto vira as costas para o povo injustiçado.
Seja por ignorância, por mediocridade ou
por propósitos não confessados, o que acontece atualmente em muitas igrejas é
um descarado comércio, ou seja, uso e abuso do nome de Deus, invocado em vão, e
a citação de versículos da Bíblia retirados dos seus contextos para justificar
posturas discriminatórias, moralistas, absurdas e cumprir um objetivo não
confessado, que é ajuntar e acumular cada vez mais dízimo, ofertas, muitas
vezes induzindo “viúvas e órfãos” a doar o pouco que tem em busca de bênção,
cura e conforto. É cretinice alardear “Deus acima de tudo”, mas fomentar o
armamentismo, a devastação ambiental, a perseguição aos povos indígenas,
quilombolas, LGBTQIA+, reforçar a cultura machista e patriarcal e amputar cada
vez mais o braço social do Estado. Dizer de forma abstrata que é “contra o
aborto” e na prática amputar direitos trabalhistas, previdenciários, retirar
dinheiro do SUS[2]
e da farmácia popular é na prática “abortar” milhões de famílias empurrando-as
para a fome, a doença e a morte lenta.
O Estado Brasileiro é laico, pois a
Constituição Federal de 1988 garante a liberdade religiosa, mas isso não pode
recair em libertinagem religiosa, que é usar em vão o nome de Deus para
projetos de poder. Abuso de poder econômico e político já são considerados
crimes eleitorais que levam à cassação da candidatura ou do/a candidato/a
eleito/a. O abuso do nome de Deus e da fé das pessoas também precisa ser
considerado crime eleitoral e levar à cassação do/a candidato/a ou do eleito/a
que se aproveitou da dimensão de fé das pessoas iludindo-as. Procure saber se
aos pastores e líderes religiosos candidatos/as doam a vida na defesa do povo
empobrecido ou se eles/elas se servem da fé das pessoas humildes? O que
eles/elas estão fazendo para superar a fome de 33 milhões de brasileiros? Eles/elas
apoiam as teses do Bolsonaro? E não esqueçam de observar em quais partidos
estão filiados. Se estão filiados em partidos do centrão, da direita ou de
extrema direita (PL, PSC, União, Patriota, Republicanos, PP, PROS, AVANTE,
NOVO, PODEMOS, DEM, PSL, PTB, PMDB etc.), não vote neles, pois com certeza são
lobos em peles de ovelhas: representam os interesses das grandes empresas e do
grande capital.
A palavra/princípio básico do Decálogo Bíblico
é: “Não matarás!” (Êxodo 20,3). Não
merece o voto de uma pessoa que busca ser humana - respeitosa, justa e
solidária - m candidato que faz propaganda, fazendo alusão ao uso de armas e
coloca um fuzil nas mãos de uma criança, dizendo que é melhor do que feijão, de
fato, pisoteia na fina flor da Bíblia que nos exorta a construirmos uma
sociedade com Justiça e Paz, com vida em abundância para todos/as (Jo 10,10). As
pessoas cristãs, sejam católicas ou evangélicas, não devem votar em candidatos
que seguem a idolatria do dinheiro, nem seguir os pastores empresários da fé,
que são traidores do Evangelho de Jesus Cristo, que viveu ensinando e
testemunhando que ético é viver se doando aos outros na luta pelo bem comum e
pela construção do reino de Deus a partir do aqui e do agora, o que passa
necessariamente pela construção de condições objetivas que garantam vida e
liberdade para todos e todas, sem discriminação. Voto tem consequência. Vote em
candidatos de partidos da esquerda, pois a esquerda não é perfeita, mas é mil
vezes melhor para o povo e para o meio ambiente do que a direita, que defende
via de regra o status quo opressor. Vote
em quem está comprometido com a luta por direitos humanos fundamentais – lutas
por terra, moradia, preservação ambiental, agricultura familiar, agroecologia,
saúde e educação pública etc.. Priorize eleger mulheres de luta pelo bem comum,
negros que lutam pela superação do racismo e indígenas que estão comprometidos
com as lutas pelo resgate dos territórios indígenas e pela abolição da
famigerada tese do marco temporal.
21/09/2022
Obs.: As
videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Ato Interreligioso em BH/MG em defesa da democracia, da
vida, pela paz e contra golpistas/opressores
2 - Carta da Democracia e as Eleições no Brasil, com o advogado
Antonio Carlos Kakay
3 - A Democracia funciona quando existe respeito aos direitos
humanos. Por frei Gilvander - 12/4/2021
4 - Vote pela democracia, pela justiça, paz e pela vida! Por
frei Gilvander - 1ª Parte - 11/11/2020
5 - Luta contra mineração no 27º Grito dos Excluídos, em
Itabira, MG, no Palavra Ética na TVC-BH
6 - 27º Grito dos Excluídos, de Itabira, MG, no Palavra Ética
da TVC-BH: Fora, Bolsonaro! 07/09/2021
7 - Fernando Francisco de Gois, outro Cristo/Servo de Deus no
meio dos excluídos, em São Félix/MT agora
8 - 5ª Romaria das Águas e da Terra da bacia d rio Doce,
Conceição do Mato Dentro/MG. Com Frei Gilvander
9 - Milhares no 28º Grito dos Excluídos em BH/MG: "Fora,
Bolsonaro! Lula, Lá! Resgate de direitos, já!"
[1] Padre da
Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG); licenciado e bacharel em
Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); bacharel em Teologia pelo
Instituto Teológico São Paulo (ITESP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício
Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da Comissão Pastoral da
Terra/MG (CPT), assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) e das
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no Serviço de Animação Bíblica
(SAB), em Belo Horizonte, MG; colunista de vários sites; e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook:
Gilvander Moreira III
[2] Sistema Único de Saúde.
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