Luta e Resistência Indígena na RMBH cresce e fortalece. Por frei Gilvander Moreira[1]
Retomada Terra Mãe, em Betim, MG, com algumas lideranças, jovens e crianças indígenas Warao. Setembro de 2023. Foto: Alenice Baeta, CEDEFES.
Nos últimos anos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) aconteceram seis Retomadas Indígenas: 1) Retomada Kamakã, em Esmeraldas; 2) Retomada Pataxó, em São Joaquim de Bicas; 3) Retomada Katurama, em São Joaquim de Bicas; 4) Retomada Kamakã Mongoió, em Brumadinho; 5) Retomada Xukuru-Kariri, em Brumadinho; e 6) Retomada Terra Mãe, do Povo Indígena Warao, de refugiados da Venezuela, que aconteceu no início de setembro de 2023, na cidade de Betim.
Na Retomada Terra Mãe, do Povo
Warao, dezenas de famílias de parentes indígenas, além de outras etnias, com
centenas de famílias sem-terra e sem-teto, ocuparam um grande terreno, mais de
100.000 metros quadrados (mais de dez hectares, o que equivale a mais de dez
campos de futebol), propriedade que estava abandonada, ociosa, sendo espaço
para depósito de lixo e entulho; propriedade que não cumpria sua função social
em Betim, cidade com uma brutal desigualdade socioeconômica e com uma das
maiores presenças de povos periferizados de toda a RMBH.
No terreno da Retomada Terra
Mãe houve uma ocupação em 2011, que foi despejada com brutal pressão da polícia
militar doze anos atrás. Na ocasião, o juiz da Vara Agrária de Minas Gerais
mandou arquivar o processo, porque a parte autora não demonstrou interesse em
continuar o processo. Diz-se que o terreno é espólio de herança. O fato é que
estava abandonado muitas décadas antes de 2011, houve o despejo e o terreno
continuou abandonado. Como a Constituição Federal de 1988 exige que toda
propriedade cumpra sua função social, uma propriedade que não cumpre sua função
social deixa de existir, como interpretam muitos juristas e
constitucionalistas. Ou seja, a CF/88 não protege propriedade que não cumpre sua
função social.
Sobre a Retomada Terra Mãe em
meados de setembro agora (2023), um juiz de 1ª instância, da 1ª Vara Cível da
Comarca de Betim, mandou reintegrar na posse quem não exercia a posse. Pior,
com uma decisão que viola e desrespeita a decisão de nove ministros do Supremo
Tribunal Federal que, no final da pandemia da covid-19, na ADPF 828, determinou
que todos os Tribunais Estaduais e Federais criassem Comissões de Conflitos
Fundiários que fizessem visita técnica in loco, audiência de conciliação e
buscassem alternativas dignas e prévias que evitassem despejos que implicassem
em jogar famílias ao relento nas ruas. Há também decisão do ministro Alexandre
de Moraes que obriga o poder público a fazer políticas públicas que resolvam a
situação de milhares de irmãos e irmãs que estão em situação de rua em centenas
de cidades brasileiras.
Para nossa surpresa, um
desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais não acatou um Agravo de
instrumento da Defensoria Pública de MG, que exigia a suspensão da liminar de
reintegração sobre a Retomada Terra Mãe, mas diante da manifestação da FUNAI[2],
que manifestou interesse no processo e de arguição da Defensoria Pública da
União e do Ministério Público Federal requerendo que a competência para julgar
o caso deve ser da Justiça Federal, diante da realidade de que se trata de
Retomada Indígena e quem julga sobre questões relativas aos indígenas é a
Justiça Federal, suspendeu a reintegração até que seja julgado de quem será a
competência jurídica, se da justiça estadual ou da justiça federal.
Dia 27 de setembro de 2023, os
povos da Retomada Terra Mãe bloquearam a BR 262 em Betim, MG, próximo ao local
da Retomada, em protesto contra o anúncio já feito pela Polícia Militar de que
faria o despejo na madrugada seguinte, dia 28 de setembro último (2023). A
Polícia Militar de MG foi truculenta. Atirou no povo, jogou bombas de gás
lacrimogêneo no meio da multidão que bloqueava a BR. Várias pessoas foram
feridas. Idosos, mães e crianças também foram atacados com gás lacrimogênio. O
direito de manifestação foi violentado pela PM de MG. E mais: fiscalização sobre
a BR 262 é competência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que não apareceu.
Estranhamente e usurpando sua competência, quem apareceu em um piscar de olhos
foi a PM de MG, que chegou com brutalidade absurda. Um sargento chegou
imbicando um revólver no rosto de uma liderança indígena. Entretanto, os povos
indígenas e sem-teto não arredaram o pé e continuaram a manifestação
protestando contra o despejo iminente. Fizeram a PM recuar e reocuparam
novamente a BR 262, o que causou mais de 15 Km de congestionamento. O povo
dizia de cabeça erguida que jamais aceitará despejo e gritava: “Se o despejo
vier, a BR vai parar! Bloquearemos a BR quantas vezes forem necessárias!”
No Censo do IBGE, de 2022, em
Belo Horizonte e Região Metropolitana, 6.476 pessoas se autodeclararam
INDÍGENAS. Em Belo Horizonte, 2.692; em Contagem, 796; em Betim, 761; Ribeirão
das Neves, 362; São Joaquim de Bicas, 356; Santa Luzia, 211; Ibirité, 140;
Esmeraldas, 137; Sabará, 117; Sete Lagoas, 117; Brumadinho, 113; Vespasiano,
112; Nova Lima, 81; Lagoa Santa, 78; Juatuba, 76; Igarapé, 67; Pedro Leopoldo,
49; São José da Lapa, 37; Matozinhos, 26; Rio Acima, 18; Mateus Leme, 27; Sarzedo,
15; Jaboticatubas, 13; Capim Branco, 13; Itatiaiuçu, 13; Mário Campos, 11;
Itaguara, 09; Caeté, 08; Florestal, 08; Confins, 05; Raposos, 05; Rio Manso,
01; Baldin, 1; Taquaraçu de Minas, 01.
No ano de 2007, uma pesquisa
do Centro de Documentação Eloy Ferreira (CEDEFES)[3],
estimava a existência aproximada de sete mil indígenas em Belo Horizonte e
RMBH. Cumpre evidenciar que o Censo do IBGE, de 2022, certamente mostra uma
subnotificação, porque segundo vários/as recenseadores/as me disseram não era
em todas as casas que o sistema abrir para perguntar se tinha outras pessoas
indígenas, ou quilombolas, ou ... Alguns recenseadores me disseram: “Quando o sistema abria em uma casa para
anotarmos a existência naquela casa de outras pessoas indígenas, nas próximas
casas, o sistema não abria mais. Com certeza o número de indígenas, de
quilombolas etc. é muito maior do que o que foi anotado. Parece que tinha a
estruturação no programa para não mostrar toda a verdade e viabilizar
subnotificação, o que causa danos na formatação de políticas públicas. Não
podemos esquecer que o Censo do IBGE, em 2022, aconteceu no desgoverno de
Bolsonaro. Precisa verificar os pontos falhos do Censo em 2022.” Portanto,
podemos inferir que ao redor de cada uma das 6.476 pessoas que se autodeclaram
como indígenas na RMBH deve existir um número bem maior. Podemos deduzir que
possivelmente o número de indígenas em Belo Horizonte e RMBH seja no mínimo duas
ou três vezes mais do que o atestado pelo Censo do IBGE, ou seja, podemos
estimar que exista acima de 13 mil indígenas em Belo Horizonte e RMBH. Em
Betim, onde o Censo atestou a presença de 761 indígenas deve ter mais de 1.600
mil. Imaginemos o número de brasileiros que estão em todas as cidades que de
fato são indígenas, mas que ainda não se autodeclararam por muitos motivos.
Enfim, o número de indígenas desterritorializados e em contexto urbano deve ser
maior do que o último censo do IBGE atestou.
O Brasil é muito mais indígena
que muitos imaginam. Viva a luta indígena!
04/10/2023.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam
sobre o assunto tratado, acima.
1 - Povo Indígena Warao
da Venezuela na Ocupação/Retomada TERRA MÃE, Betim/MG: “Não aceitamos despejo!”
2 - Terra Mãe, nova
Ocupação de Povo indígena Warao e centenas de sem-teto, em Betim/MG. Despejo,
NÃO!
3 - Respeito à decisão
do STF na ADPF 828! Povo indígena Warao não aceita despejo na Ocupação TERRA
MÃE
4 - 300 famílias na
Ocupação/Retomada TERRA MÃE, em Betim/MG: Povo indígena Warao e centenas de
sem-teto
5 - Ocupação TERRA MÃE:
E decisão do STF p não despejar sem alternativa prévia? Povo indígena e
sem-teto
6 - “Novo nascimento na
Retomada/Ocupação TERRA MÃE, Betim/MG.” “PM matou 2 Sem Teto Bandeira
Vermelha"
7 - Leo Péricles/UP,
Poliana/MLB e Isa/MNDH na RETOMADA/OCUPAÇÃO TERRA MÃE, BETIM/MG:
"Negociação, SIM!"
8 - Betim/MG: "Não
arredamos o pé da luta pela moradia. PM violenta conosco. RETOMADA/OCUPAÇÃO
TERRA MÃE
9 - Povo REOCUPOU a BR
em Betim/MG após repressão da PM/MG: RETOMADA TERRA MÃE na luta contra
despejo.v3
10 - Povo fez PM recuar
e bloqueou de novo BR em Betim/MG: luta por moradia da Ocupação Terra Mãe. Víd
2
11- PM de MG reprime
com truculência Bloqueio da BR em Betim/MG: luta por moradia da Ocupação Terra
Mãe
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela
FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia
pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em
Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de
“Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte,
MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Fundação Nacional dos Povos
Indígenas.
[3] BAETA, Alenice M. Indígenas nas
Cidades; memórias ‘esquecidas’ e direitos violados. In: ECODEBATE, 2021. Cf. https://www.cedefes.org.br/indigenas-nas-cidades-memorias-esquecidas-e-direitos-violados-artigo-de-alenice-baeta/
Nenhum comentário:
Postar um comentário