Hora de lutas republicanas, emancipatórias! Por frei Gilvander Moreira[1]
Sônia Bone Guajajara, Coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante o Acampamento Terra Livre 2019. Foto: APIBNo contexto de uma sociedade do capital que
superexplora de forma crescente o/a trabalhador/a, todos os seres humanos e
todos os seres vivos da biodiversidade, sociedade que apregoa a submissão, a
resignação e a entrega do ser humano para ser sacrificado no altar do capital
idolatrado, a insubmissão, a rebeldia e a resistência dos Sem Terra que lutam
pela terra, dos indígenas que lutam pelo resgate de seus territórios, dos Sem
Teto que lutam por moradia adequada, dos Negros/as que lutam pela superação do
racismo estrutural, das pessoas LGBTQIA+ que lutam pela superação da homofobia,
das Mulheres que lutam pelo fim do feminicídio, dos Ecologistas que batalham
para frear a devastação ambiental, são traços de pedagogia de emancipação
humana. Emancipação pressupõe nunca abandonar os princípios originais que
levaram à criação da CPT, do MST, do MTST, do MLB, do Movimento Indígena e de
todos os outros Movimentos Sociais, não abandonar o Trabalho de Base que passa
pela convivência constante com os camponeses sem-terra, com os sem-teto, com os
indígenas e todos/as os/as outros/as injustiçados/as da sociedade, reunir-se,
discutir e, juntos, buscar caminhos para o fortalecimento da luta coletiva por
direitos que precisa se tornar cada vez mais massiva. Pressupõe também
cultivar, manter e fomentar a organização interna envolvendo todos na
corresponsabilidade da luta pela terra, por moradia, por territórios etc., despertando,
assim, o protagonismo de todos/as. E exige abraçar a construção de outro
projeto de sociedade, comprometendo-se com ele, com justiça agrária, justiça
socioambiental, justiça urbana, justiça social e geracional, enfim, uma
sociedade que supere o capitalismo e que construa outro modo de produção na
perspectiva socialista e construa relações socioculturais que sejam de fato
justas e equitativas. Enquanto perdurar relações sociais escravocratas no
Brasil, não teremos justiça no seu sentido mais profundo, nem respeito à
dignidade humana e nem à dignidade de toda a biodiversidade. Enquanto a
idolatria do capital e do mercado dominar de forma tirânica a força de
trabalho, impondo “teto fiscal” e “responsabilidade fiscal”, não teremos “piso
social” e nem “responsabilidade social” para retirar grande parte dos mais de
40% do orçamento do país que segue sendo desviado para banqueiros sob o álibi
de se amortizar a injusta dívida pública já paga muitas vezes. Investir pesado
em políticas socioambientais exige contrariar o ídolo mercado, seus sacerdotes
e arautos que estão sempre de plantão com ameaças.
As questões que a luta pela terra nos colocam não são
apenas: “Lutar pela terra e por território!” “Perseverar na luta pela terra e
por territórios.” “Abandonar a luta pela terra como uma questão anacrônica e
ultrapassada.” Mais do que isso, a questão é: “Como continuar travando a luta
pela terra e por territórios?” “Como perseverar na luta pela terra e por
territórios?” Além de ser questão política, econômica, sociológica etc., a luta
pela terra e por territórios é essencialmente uma questão pedagógica de
emancipação humana. A luta pela terra e por territórios travada pela CPT, pelo
MST e pelo pujante Movimento Indígena busca ser pedagogia de emancipação
humana. Só a luta pela terra e por territórios não garante emancipação humana,
mas também sem a luta pela terra e por territórios que conquiste a sua
democratização e a socialização não há emancipação humana. Tudo se conquista
com luta coletiva dos/as injustiçados/as sendo protagonistas, mas somos cientes
de que as mudanças históricas e estruturalmente marcantes não se concretizam
sem que se concretizem, antes e durante, as condições materiais históricas de
sua realização. Não basta a existência de lideranças revolucionárias e/ou
teorias revolucionárias. Também a história da luta pela terra e por territórios
demonstra que seu êxito ou fracasso não depende apenas da força ou do vacilo do
latifúndio, dos latifundiários ou atualmente do agronegócio, mas depende muito
do jeito como está sendo travada tal luta. A necessidade de tornar a luta pela
terra e por territórios em luta vitoriosa que de fato resulte em democratização
e socialização da terra exige a superação da iníqua estrutura fundiária.
Um processo educacional não garante por si só
emancipação, mas sem educação não pode haver emancipação. Mas não pode haver
educação emancipatória sem luta pela terra e por territórios. Logo, a
emancipação humana e social inclui vários tipos de educação e exclui outros,
mas transcende a educação formal e exige permanentemente a luta pela terra e
por territórios, pois estas lutas têm meios de transformar as condições
materiais históricas que garantem a reprodução do modo de produção capitalista.
Como fruto da luta dos movimentos populares e de todas/os as/os militantes de
uma educação emancipatória, foi acolhido na Lei de Diretrizes e Base da
Educação (LDB) no seu primeiro artigo: “A
educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,
na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais”. Nessa perspectiva ampliada
de educação, compreendendo a educação como um processo de formação humana
integral, necessariamente conectado às práticas sociais, à História e à
cultura, a CPT, o MST, o MTST, o Movimento Indígena etc., com atuação coletiva
na luta pela terra e por territórios, têm um peso formativo pelos processos
sociais que desencadeiam e se tornam ações permanentes. Assim, a CPT, o MST, o
MTST, o MLB e o grande Movimento Indígena são organizações fomentadoras de
processos educativos emancipatórios, pois a vida familiar dos Sem Terra, dos
Sem Teto, dos parentes indígenas, é ‘chacoalhada’ pelo processo das lutas
cotidianas – pequenas, médias e grandes. Também no trabalho coletivo, nas
tensões sociais e nos conflitos enfrentados, no estudo e na reflexão e em todas
as ações socioculturais desenvolvidas. Referindo-se à atuação do MST, Arroyo,
no Prefácio do livro Pedagogia da
Movimento Sem Terra, afirma: “Sua
presença, suas lutas, sua organização, seus gestos, suas linguagens e imagens
são educativas, nos interrogam, chocam e sacodem valores, concepções,
imaginários, culturas e estruturas. Constroem novos valores e conhecimentos,
nova cultura política. Formam novos sujeitos coletivos” (ARROYO em
Prefácio; CALDART, 2012, p. 15).
A
luta pela terra e por territórios, protagonizada pela CPT, MST e Movimento
Indígena é pedagogia de emancipação humana, também porque o movimento de ocupação de terra para conquista da
reforma agrária e a luta pelo resgate de
territórios educa para a socialização, para a cooperação, para o exercício da
agroecologia, para a solidariedade, para a igualdade de gêneros, para a
valorização da comunidade[2] etc.,
na contramão da cultura arraigada de defesa da propriedade privada capitalista,
do individualismo e da hierarquia.
Enfim, estas lutas urgentes, justas e necessárias são lutas republicanas que nos fazem resgatar o sentido mais profundo da República Federativa do Brasil, pois colocam o público e o bem comum como as pilastras que devem sustentar o edifício da sociedade brasileira que temos que reconstruir, pois foi desmoronada pelo atual desgoverno neofascista.
Referência
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
15/11/2022
Obs.: As videorreportagens nos links,
abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Com + de 600 casas, Povo da Ocupação Prof. Fábio Alves,
no Barreiro, BH/MG, jamais aceitará despejo
2 - Bairro consolidado: Ocupação Fábio Alves, Barreiro,
BH/MG. Povo não aceitará despejo. REURB-S, JÁ!
3 - Mário Campos/MG precisa ser preservado! "Não
aceitamos mineração aqui!" Viva agricultura e as águas!
4 - STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia -
Por frei Gilvander - 10/11/2022
5 - Ato Público em Mariana, MG: Sete anos de crime continuado
da Samarco, Vale e BHP. Cadê Justiça?
6 - Levantemo-nos! À luta por direitos, já! - Por frei
Gilvander - 05/11/2022
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação
Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Esses e outros valores socialistas e, por isso,
anticapitalistas, são cultivados no cotidiano da luta pela terra e
aparecem com frequência em muitos
documentos do MST, especialmente nos que se referem à educação dos sem-terra.
Eis alguns desses documentos: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra;
Setor de Educação. Estórias de Rosa, [s.d.];
Associação Nacional de Cooperação Agrícola (ANCA). Nossos valores. Para
soletrar a liberdade, n. 1, 2000 (Caderno do Educando); Coletivo
Nacional de Gênero do MST. Mulher sem terra. Caderno de formação,
n. 2, [s.d.].
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