Agronegócio solapa a soberania dos Povos. Por frei Gilvander Moreira[1]
O agronegócio predador envenena a terra e mata gente. Estudos científicos dão sinais do inquestionável e urgente enfrentamento efetivo dos males dos venenos agrícolas. Foto: Reprodução www.brasildefato.com.brNa era da financeirização do capital e da especulação
exacerbada do grande capital, imperam relações transnacionais pouco controladas
pelos governos dos Estados nacionais. O Estado capitalista está em crise aguda
transbordando contradições. O capitalismo quanto mais se desenvolve mais brutal
e podre se torna. Nesse contexto do capital e do capitalismo, o movimento de
luta pela terra para superar o ‘cativeiro da terra’, seu aprisionamento em
estrutura fundiária pautada no latifúndio, tornou-se imprescindível para a
formação do novo sujeito social para além do capital. Sem
desconcentração da propriedade fundiária, sem reforma agrária e sem resgate dos
territórios pelos povos originários (indígenas), pelo campesinato e pelos Povos
e Comunidades Tradicionais não conquistaremos a superação da injustiça social,
urbana e ambiental. “É preciso esvaziar
as cidades e os povos reconquistarem seus territórios”, alerta o mestre
Joelson Ferreira, articulador da Teia dos Povos.
Na América afrolatíndia, estamos diante de evidências
da emergência de formações sociais plurinacionais a partir das lutas populares
na Bolívia e Equador. Nunca estará tudo dominado. A história não acabou. O
sistema do capital tem um poder de dominação gigantesco ao olharmos com base
nele – perspectiva hegemônica -, mas se olharmos considerando a classe
trabalhadora e o campesinato – o profundo das relações sociais, o
contra-hegemônico -, percebemos que o sistema do capital está recheado de
contradições e inconsistências, é um gigante, mas com pés de barro. Já alertava
José de Souza Martins, em 1989, no livro Caminhada
no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do
campo que “nas sociedades ricas e nos
espaços ricos das sociedades pobres, a reprodução e o poder dominam a
superfície, o espaço, o imaginário, mas não dominam o subterrâneo, os nichos do
contrapoder, a imaginação” (MARTINS, 1989, p. 119).
Como muitos outros
movimentos populares, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde 1975, e o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde 1984, pelas suas práxis, se
tornam sujeitos históricos que “transformam
demandas individuais em propostas coletivas. [...] como força política,
consolidam saberes, e avançam na conquista de suas reivindicações. Deixam
evidentes as contradições do modelo de acumulação implementado na modernidade,
rejeitando sua racionalidade, com vistas à construção de novos padrões de
produção e trabalho” (PIETRAFESA, 2015, p. 100).
A luta pela terra
potencializa e politiza os sujeitos dela ampliando o protagonismo dos camponeses
na produção de novos projetos de sociedade, na construção de uma cultura
política que se contrapõe à cultura hegemônica da lógica do capital e na
formação de contra-saberes que são disseminados na sociedade pelo protagonismo
dos sujeitos sociais engajados. As ações de resistência política dos sujeitos
da luta pela terra se revestem de transgressão e de inovação na gestão
territorial, após (re)conquistarem alguns territórios. “Se ocuparmos e não administrarmos de forma própria e direta os nossos
territórios seguindo os princípios da sustentabilidade, crescerá sempre o
agronegócio. Nossa presença e atuação nos territórios precisam ser no sentido
de resgatar a confiança dos animais conosco seres humanos. Se envenenarmos a
terra, as águas e o ar e matarmos os animais, não somos dignos de habitar
aqueles territórios. Temos que ser autoprodutores, autônomos, e não depender de
Estado e nem de governos” (CACIQUE BABAU, do povo indígena Tupinambás, do
sul da Bahia, no IV Congresso da CPT, dia 12/7/2015).[2]
A luta pela terra é
também luta por soberania, uma vez que “os
perigos para a soberania não estão, portanto, sempre vinculados a guerras,
conquistas e defesa de fronteiras” (APPADURAI, 1997, p. 37), não vem só do
exterior, mas é no interior dos territórios que, de forma disfarçada, mas
contundente, os representantes do capital internacional fincam suas bandeiras,
via agronegócio, e vão solapando a soberania dos povos da terra auferindo
lucros absurdos à custa de uma tremenda devastação socioambiental. Exemplo disso
é Aimorés, MG, onde o fotógrafo Sebastião Salgado nasceu e foi criado. O filme O Sal da Terra, biografia de Sebastião
Salgado, retrata as apropriações da terra sob o signo do capital causando
inclusive migrações forçadas de populações em muitas regiões do mundo.
Baseando-se na
necessidade, sentida de forma dramática, de um pedacinho de terra, os Sem
Terra, os indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais, na luta coletiva pela
terra e por território, ampliam a consciência e começam a perceber que têm
muitos outros direitos a conquistar e, acima de tudo, descobrem que podem mais,
que não são tão fracos como se sentiam antes ou como a ideologia hegemônica
dissemina aos quatro ventos e tenta impregnar as consciências para reproduzir
pessoas resignadas e conformadas.
A luta pela terra e
por território tem uma imensa força, uma centralidade. Pelo trabalho coletivo, os Sem Terra, os Povos Originários e os
Povos Tradicionais conquistam o início da interrupção da mercantilização da
terra e o começo da democratização da terra, o que passa inclusive pela
afirmação de outra política econômica, construída com base nas necessidades do
povo e não no lucro e na superexploração da força de trabalho da classe
trabalhadora e do campesinato.
A mesma terra que foi expropriada passa a ser força de luta pela reconquista de identidades. Os geraizeiros, os quilombolas, os indígenas, os vazanteiros, os seringueiros, os groteiros, os/as apanhadores/as de flores ‘sempre viva’ etc., enfim, as várias faces do campesinato percebem que sem-terra e sem território serão dizimadas e perderão suas identidades, mas só podem afirmar suas identidades na luta pela terra e pelo território. Para continuar existindo, resistem e insistem na luta coletiva pela construção de um Projeto Popular para construirmos uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, sustentável ecologicamente, politicamente democrática, plural culturalmente e responsável geracionalmente.
Referências
APPADURAI,
Arjun. Soberania sem territorialidade – notas para uma geografia pós-nacional.
In: Novos Estudos, CEBRAP, São Paulo, n. 49, p. 33-46. Nov./1997.
MARTINS, José de Souza. Caminhada no chão da noite: emancipação
política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC,
1989.
PIETRAFESA, José Paulo. Conflitos agrários, protagonismo camponês e ocupações de terra no Brasil. In: Conflitos no campo Brasil 2015. Goiânia: CPT Nacional, p. 100-108, 2015.
02/05/2023
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto
tratado, acima.
1 - Marco temporal: terra
para os Povos Indígenas ou para o agronegócio devastador? Por Frei Gilvander
2 - Leo Péricles, UP: É c
luta p retomar territórios no campo e na cidade q vamos superar o capitalismo
3 - Primeiro de Maio 2023
em BH/MG: Fora, Zema! Reconstruir o Brasil com direitos trabalhistas e sociais
4 - Soberania Alimentar
com Vandana Shiva. Agronegócio e agrotóxicos matam! Dia da alimentação.
16/10/20
5 - Você sabe de onde vem
a sua comida? O agronegócio envenena a comida do povo. Episódio 1 – Greenpeace
6 - "Libertar do
agronegócio" (Jefferson/Sindieletro). Acampamentos do MST/Campo do
Meio/MG. Vídeo 7
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação
Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Cf. Palavra Ética na TVC/BH com
o cacique Babau, do povo indígena Tupinambás, na internet em https://www.youtube.com/watch?v=Iq5Q2BafTEE
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