NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490! Sinal amarelo para o Governo Lula e vermelho para os Indígenas? Por frei Gilvander Moreira[1]
“Estamos em defesa de nosso território sagrado, de nossos direitos tradicionais, contra o PL 490, contra o Marco Temporal, que quer retirar nosso direito ao território!” – Kaw Gamella, do Povo Akroá-Gamella. Foto: RAMA
Recentemente foi aprovado na Câmara
Federal o arcabouço fiscal, que põe cercas para as contas públicas e para os
investimentos do Governo Federal. Deixaram totalmente livre a destinação de
quase 50% do orçamento para amortização e pagamentos de juros da impagável
dívida pública, que quanto mais corta mais cresce. Por que não limitar este
montante repassado para os banqueiros? Em breve, o Governo Lula poderá “estar
nas cordas” asfixiado pelos ditames do mercado idolatrado embutido no arcabouço
fiscal. O Congresso Nacional mais à direita da história do Brasil já está
mostrando suas garras. Maioria da Câmara
Federal, de direita, do agronegócio, insiste em continuar o genocídio indígena
e continuar empurrando a humanidade para seu fim, em decisões tais como a que retira
competências dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Retirar do
Ministério dos Povos Indígenas a prerrogativa de demarcação de terras e
amordaçar os poderes do Ministério do Meio Ambiente retirando dele a Agência
Nacional de Água (ANA), o gerenciamento sobre o saneamento e o Cadastro
Ambiental Rural (CAR) significa empurrar o povo brasileiro e toda a
biodiversidade para o sacrifício no altar do ídolo capital precipitando a
ocorrência de eventos extremos que vem causando desastres e mortandade de
pessoas e animais de forma cada vez mais espantosa.
Na última semana, 262 deputados da
Câmara Federal, do centrão e da extrema-direita, sob o comando do deputado
Arthur Lira, aprovaram “urgência” para o PL 490/2007, que busca legislar sobre
o “marco temporal”, assunto que o Supremo Tribunal Federal (STF) já pôs em
pauta para ser julgado a partir de 07 de junho próximo. Outros quinze projetos
de lei foram apensados ao PL 490. Com o carimbo de “urgente”, o PL 490 deverá
ser votado na Câmara Federal hoje, 30 de maio. Isto é violência brutal, pois
significa a Câmara Federal “passar a boiada” amordaçando as prerrogativas do
poder executivo federal, que tem a missão constitucional de demarcar as terras
indígenas. A Constituição de 1988 definiu que as terras indígenas deviam ser
demarcadas dentro de cinco anos, a partir de 05 de outubro de 1988, data da
promulgação da Constituição, até 1993, mas já se passaram 35 anos e a
postergação da demarcação das terras indígenas tem sido a regra. E,
injustamente, as terras dos Povos Indígenas continuam griladas por empresas do
agronegócio, por latifundiários e madeireiros.
Com isso, o genocídio indígena continua
há 523 anos e a devastação ambiental promovida pelo agronegócio, desmatadores e
garimpeiros segue em uma progressão geométrica.
Dia 7 de junho de 2023, o STF deve retomar
o julgamento da tese do marco temporal, com “repercussão geral” reconhecida,
que definirá se as demarcações de terras indígenas no país continuarão ou não,
ou pior, se poderão ser canceladas várias demarcações já feitas. A partir de um
caso concreto de conflito entre o Povo Indígena Xokleng e o Estado de Santa
Catarina, pela “repercussão geral” já estabelecida pelo STF, o julgamento
servirá de decisão que será parâmetro para todas as demarcações de terras
indígenas no Brasil. Logo, é muito sério o que está em disputa no STF.
O que é a tese do marco temporal?
Trata-se de uma farsa perpetrada no Congresso Nacional pela bancada ruralista
em 2009, plantada no STF, durante o julgamento da Terra Indígena (TI) Raposa
Terra do Sol, situada em Roraima: a inconsistente tese preconiza que os
direitos territoriais dos Povos Indígenas só teriam validade se eles estivessem
em suas terras em 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da atual
Constituição Brasileira. Falar em marco temporal é uma jogada, uma ficção
jurídica de quem tem grandes interesses econômicos nos territórios indígenas: a
turma do agronegócio, dos madeireiros, garimpeiros, latifundiários e
empresários do campo, todos os que são adeptos do ídolo mercado, os que não
amam o próximo e nem as próximas gerações, pois só pensam em lucrar e acumular
capital, mesmo que deixando terra arrasada com sua agricultura mecanizada para
produzir commodities para exportação.
Marco temporal é marca do atraso, o nome elegante do genocídio, uma máquina de
moer a história dos Povos Indígenas e nos empurrar para a dizimação da
humanidade por falta de condições ambientais que assegurem a vida humana.
O que os capitalistas pretendem com a
legitimação da tese do marco temporal? Pretendem anistiar os crimes cometidos
contra os Povos Tradicionais relacionadas à escravidão, torturas, confinamentos
em pequenos territórios, aprisionamentos, exílios, remoções forçadas,
desterros, separação de familiares, assassinatos, apropriações indevidas de
territórios tradicionais, desconsiderando assim as noções de reparação
histórica, de dívida histórica com os Povos Originários, de resguardo cultural
e imemorial, de direitos congênitos, imprescritíveis, intangíveis e da posse
coletiva da terra.
O argumento do marco temporal é
inconstitucional e inconvencional, ferindo, em especial, os artigos 231 e 232
da Constituição[2],
além de desrespeitar a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
n. 169, de 1989, ratificada pelo Brasil, que consagra os direitos culturais e
territoriais, bem como a autodeclaração, como instrumento primaz da identidade
étnica, além do reconhecimento das diferentes formas de ocupação, manejo e uso
da terra. Segundo a teoria do indigenato (Direito Originário), a
terra é “originária” e, portanto, anterior à Constituição do Brasil,
independente da data de comprovação da terra. A tese do marco temporal é
inconstitucional, porque, perseguidos, massacrados e expulsos, muitos Povos
Indígenas não estavam em seus territórios originais em 5 de outubro de 1988,
porque foram arrancados deles. Outros foram arrancados depois, por grileiros,
latifundiários, garimpeiros e jagunços. Marco temporal serve ao agronegócio,
que é devastador ambientalmente, desertificador dos territórios, concentrador
da propriedade privada da terra, produtor da epidemia de câncer e da fome,
asfixiador da agricultura familiar camponesa agroecológica, exterminador do
futuro da humanidade.
Derrubar a tese do marco temporal se
tornou necessário também por uma questão de sobrevivência da humanidade, pois
já sabemos que foi o exagero de desmatamento que fez eclodir a pandemia da
covid-19, já está comprovado que o agronegócio e seus aliados promovem desertificação
dos territórios, desmatamentos sem fim e, portanto, o aquecimento global e a
emergência climática. Já está demonstrado que nos territórios indígenas se
pratica preservação ambiental, pois os Povos Indígenas são guardiões da
floresta. É preciso recordar também que com a demarcação dos territórios
indígenas, as terras não passam a ser de propriedade dos Povos Indígenas, que
têm apenas o direito de usufruto não podendo vender a terra. As terras
indígenas são da União, bem comum do povo. Portanto, derrubar o marco temporal
é também caminho para frear a privatização e a grilagem de terras no Brasil.
Quem defende que o marco temporal é
constitucional? Os ruralistas, deputados e senadores do centrão e da
extrema-direita, os agronegociantes, os garimpeiros, mineradoras, os
latifundiários e empresários que, além de ter grandes propriedades na cidade,
são também grandes proprietários de terra; a mídia controlada por meia dúzia de
famílias riquíssimas. Diz a sabedoria popular: “Diga com quem tu andas e o que
defende que direi quem tu és”.
Quem defende a derrubada do marco
temporal pelo STF? Todos os Povos Indígenas do Brasil, a Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (APIB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o
papa Francisco, Associação dos Juristas pela Democracia, a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), juristas e constitucionalistas de renome, os Movimentos
Sociais Populares e Ambientais, enfim, as forças éticas da sociedade.
Caso não seja derrubada a tese do marco
temporal no STF, o Estado não mais demarcará terras indígenas e várias das
demarcadas poderão ser desmarcadas e, assim, a ausência de demarcação de
terras, causará, no médio e longo prazo, um verdadeiro etnocídio e continuará o
genocídio indígena no nosso país. Portanto, o justo e necessário é que o STF
julgue derrubando a tese do marco temporal, porque é absurdo, inconstitucional
e violação aos direitos dos Povos Indígenas/Originários! Em contexto não apenas
de mudanças climáticas e de aquecimento global, mas de emergencial climática
com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, impor o absurdo que é a
tese do marco temporal é deixar abertas as porteiras para a contínua invasão
dos territórios.
30/05/2023
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo,
ilustram o assunto tratado acima.
1 - Demarcação de
Terras Indígenas, com Shirley Krenak, Moema Viezzer e Célio Turino
2 - STF Urgente.
Relator Fachin reconhece a tutela dos territórios indígenas
3 - #LutaPelaVida
- Igreja no Brasil reafirma seu compromisso com a causa indígena. Marco
temporal, NÃO!
4 - AO VIVO. Semana de protestos no Brasil começa com os Povos
Indígenas em Brasília.
5 - Em MG, 17
Povos Indígenas com 16 mil pessoas resistem na luta pelos seus territórios.
09/10/2020
6 - STF definirá
em julgamento critérios de demarcação de novas terras indígenas. Fantástico.
24/5/2020
7 - Deus Tupã, o
Grande Espírito e os Encantados contra o PL 490 e contra o Marco Temporal.
Justiça, JÁ!
8 - “Sem
Demarcação de terras indígenas não tem Democracia!”. Ato contra PL 490 e contra
Marco Temporal
9 - Ato Público em
BH/MG contra PL 490, contra Marco Temporal, por Demarcação das Terras Indígenas.
V. 1
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da
CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB
(Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Art. 231. São
reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os
seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física
e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. §
2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos
recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra
das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com
autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas,
ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e
indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
Art. 232.
Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar
em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério
Público em todos os atos do processo.
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