Manifesto de repúdio às ações truculentas e descaso
com relação às ocupações urbanas de Isidoro, em Belo Horizonte, MG, dia
19/07/2014.
Nós,
Blogueiras Negras, manifestamos nossa profunda repulsa quanto ao tratamento do
Governo do Estado de Minas Gerais dado às ocupações por moradia em Isidoro,
região metropolitana de Belo Horizonte. Apenas nas ocupações Vitória, Esperança
e Rosa Leão são 8.000 famílias, em sua grande maioria formada por mães
solteiras e seus respectivos filhos, com uma média de 3 crianças por família.
Pessoas cujo maior “crime” é sua própria existência, seu resistir diante de
tamanha injustiça social. É demonstrar que a ocupação também pode ser uma
política habitacional viável e muito mais justa do que os modelos
institucionalizados.
É absolutamente impensável a
criminalização de movimentos por moradia, cujas lideranças são em sua maioria
mulheres negras e pobres que na impossibilidade de continuar morando em áreas
de risco ou pagando aluguéis que comprometem quase toda sua renda. Gente que
decide não mais esperar por ações governamentais que são insuficientes para dar
conta de uma realidade que se impõe, o direito constitucional à moradia. E como
a vida não espera para acontecer, é preciso que toda e qualquer iniciativa que
contemple o direito humano à moradia seja respeitada, sobre pena de deixarmos
nos pretendermos minimamente civilizados.
Repudiamos com veemência não
apenas o descaso institucional perante o déficit habitacional em todo o país e
também o tratamento dispensado para aqueles que estão na vanguarda de luta pela
conquista da moradia em Isidoro. Estas famílias vêm sendo agredidas e coagidas
pela Policia Militar numa covarde tentativa de intimidação e pressão
psicológica. São viaturas invadindo o local da ocupação, Policiais abordando e
agredindo crianças com idade entre 11 e 16 anos, deitando-os no chão e pisando
sobre suas cabeças.
É dever do Estado ouvir tais
pessoas, detentoras de tecnologias e saberes sociais capazes de efetivamente
fazer valer o direito à moradia. Porém, o que temos visto é a repressão de
gente que deveria ser escutada, privilegiada por políticas públicas. É preciso
entender que as ocupações não são um fenômeno novo, mas sim um movimento que
tem pelo menos 30 anos de atuação em todo o país, sempre motivado pelo descaso
do estado, sua incapacidade de ouvir e ser de fato democrático. Não podemos
insistir num modelo que privilegia o silenciamento dessas manifestações.
Ontem 18 de julho de 2014, as
ocupações Rosa Leão e Vitória foram atacadas por meio de voos rasantes sob as
casas, para amedrontar as famílias. Houve o relato de uma viatura da PM que
abordou de forma violenta os jovens da ocupação Vitória que se dirigiam ao 46
Festival de Inverno da UFMG para realização de um curso. Um deles levou um soco
no estômago. Esse é o meio usado para comunicar que as famílias estão sob iminente
ameaça de despejo, agora que acabou a copa. A comunidade ficou intranquila, a
tensão é tamanha que um senhor teve um derrame provocado por puro desespero.
Essa é apenas uma das táticas de
guerra usadas contra cidadãos cujas manifestações são de caráter pacífico, cuja
organização é puramente horizontal, denunciando não apenas a insuficiência das
políticas habitacionais e urbanas, mas também do próprio modelo de democracia
indireta. Assim, apesar de não causar nenhum espanto, gera repulsa o
comportamento das grandes mídias em relação aos movimentos de moradia,
inexistentes e acintosamente ignorados nas pautas destes grandes veículos. Uma
violência de caráter simbólico que também deve ser denunciada e combatida.
Muito se discute qual é o melhor
método para mesurar o tamanho do déficit habitacional brasileiro. Alguns acham
que ter um teto já é o suficiente, outros consideram que é preciso muito mais.
Acesso à infraestrutura urbana como rede de esgoto, água, luz. Ter assistência
médica, educação, trabalho, transporte. Tudo de qualidade, como deveria se
pretender numa democracia de fato.
Mas não é assim que o estado
insiste em fazer. O que existe são pessoas sistematicamente excluídas social e
politicamente, tendo não apenas o direito a uma moradia digna negado, direito
este constitucional, mas negada também sua existência uma vez que enfrentam
inúmeros constrangimentos para exercerem sua cidadania, para garantirem direito
a emprego e a educação por não possuírem dados residenciais como endereço ou
telefone. Não havendo endereço não há disponibilidade de energia ou saneamento
básico gerando limitações e dificuldades.
Falar sobre déficit habitacional
deve ser muito mais que uma ordem de grandeza, estamos falando de pessoas que
estão buscando alternativas legítimas às políticas habitacionais que não
contemplam suas necessidades e existências. E tem sido assim desde a década de
80, em todo o país, quando mulheres negras e pobres tem sido os pilares da luta
pela moradia no Brasil. Uma luta de caráter absolutamente feminista para quem
não existem trégua, descanso, respiro.
As Blogueiras Negras, coerentes
com sua posição de classe, tão logo tomam conhecimento das ameaças a que estão
sendo submetidas estas famílias, levantam este manifesto de repudio em
solidariedade a todas as mulheres e em apoio a esta luta popular, e pretendem
ainda mobilizar toda a sociedade civil para que possa colaborar com este
processo de resistência e garantir a segurança e integridade física destas
mulheres e crianças.
Todo apoio à luta das moradoras e
moradores da região do Isidoro. Todo nosso apoio à resistência popular.
Enquanto morar for um privilégio,
ocupar é um direito!
Assinam esse Manifesto:
Blogueiras Negras – www.blogueirasnegras.org
Coletivo Audre Lorde – www.coletivoaudrelorde.org
Coletivo Audre Lorde – www.coletivoaudrelorde.org
Fórum de Promotoras Legais Populares de São Paulo
Blogueiras Feministas – blogueirasfeministas.com
Manifesto Crespo – manifestocrespo.blogspot.com.br
Canal Sap - canalsap.com
Blogueiras Feministas – blogueirasfeministas.com
Manifesto Crespo – manifestocrespo.blogspot.com.br
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Cf. o Manifesto originalmente
publicado no link, abaixo:
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