Missa Afro e Abraço denunciam devastação do Rodoanel, o “Rodominério”, em Santa Luzia, no Cemitério dos Escravizados, na região de Pinhões, Vale do Rio das Velhas, MG. Por Glaucon Durães[1], Alenice Baeta[2], Gilvander Moreira[3] e Henrique Lazarotti[4]
Fotos: Alenice BaetaDurante
a Missa Afro, que ocorre há decênios em reverência e memória dos ancestrais do
povo negro escravizado, quilombola da região, ali enterrados, foi denunciado o
megaprojeto devastador do Rodoanel, mais conhecido como “Rodominério”, que vai rasgar
e devastar brutalmente territórios tradicionais, milhares de moradias, fontes
de água, campos sagrados, entre outras benfeitorias no município de Santa Luzia
e em outros 12 municípios da RMBH.
O
projeto do Rodoanel do Governador Zema, em “parceria” com a mineradora Vale S/A,
é composto por quatro alças - Sul, Sudoeste, Oeste e Norte - e indica que no
Vetor Norte vai destruir e descaracterizar o território místico em que se
encontram o Cemitério dos Escravos, o Córrego do Cachimbeiro, o Cruzeiro do
Cantanhão e a Comunidade Quilombola de Pinhões, área da antiga sesmaria de
Bicas. Esta destruição seria uma grande tragédia socioambiental, cultural,
histórica, simbólica e religiosa para o estado de Minas Gerais, em especial
para a memória e a resistência do povo preto e quilombola. O Cemitério dos
Escravos é um importante campo sagrado, sítio arqueológico e histórico, tombado
em nível municipal em 2008, categoria de patrimônio material e imaterial,
composto por construção vernacular em alvenaria de pedra seca, cuja obra
remonta do início do século XIX. É fundamental, inclusive, que a referida Missa
Afro seja reconhecida também como patrimônio imaterial.
O
traçado oficial do Rodoanel, divulgado pelo governo de Minas Gerais proposto, e
suas “alternativas” (muitas delas apresentadas por entidades ditas
“ambientalistas” de forma oportunista e superficial), demonstram reiterado
desconhecimento e irresponsabilidade para com os territórios e bens ambientais,
culturais e socioeducativos da RMBH, em especial por parte da Secretaria de Infraestrutura
e Mobilidade (SEINFRA), indicando forte crise de governança, falta de
transparência, evidente inconsistência técnica e péssima gestão dos recursos patrimoniais
e hídricos, além de ser regado por um processo de licenciamento ambiental conturbado
e repleto de sequelas normativas e legais inaceitáveis, a começar pela ausência
de participação e consulta popular de forma eficaz, bem como ausência de consulta
prévia, livre e informada (CPLI) aos povos e comunidades tradicionais, como
prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Visando
denunciar o famigerado projeto do Rodoanel e o terrorismo socioambiental que se
instalou por seus “defensores” na RMBH, após a Missa Afro tradicional, houve um
grande ato denominado “Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos", com
muitas faixas, panfletos e bandeirolas, denunciando o RODOANEL. Perguntou-se: “A
quem interessaria este projeto? Ao povo que não é”. Serão geradas pelo governo
do estado de Minas Gerais, com esta obra na RMBH, milhares de famílias
atingidas pelo Rodoanel, população já assolada pelas tragédias causadas pelo
rompimento das barragens de mineradoras que destruíram a Bacia do Rio Doce e do
Rio Paraopeba, além de precipitar o risco já iminente de colapso hídrico e de
carência por moradia, destruindo ainda áreas periurbanas e do cinturão verde,
voltadas tradicionalmente para a agricultura familiar e produção de alimentos,
o que causará fatalmente insegurança alimentar em todo o colar metropolitano.
Além
de inúmeros moradores de Santa Luzia e dos representantes das comunidades tradicionais
Quilombolas de Pinhões, Manzo Ngunzo Kaingo e indígena (etnia Pataxó, moradora no
bairro Bonanza), várias entidades, associações, coletivos e movimentos
ambientalistas de toda a RMBH compareceram à Missa Afro e ao “Ato Abraço
Coletivo ao Cemitério dos Escravos”, entre eles, Movimento Salve Santa Luzia,
S.O.S Santa Luzia, Pastoral Afro de Santa Luzia, Comissão Pastoral da Terra
(CPT/MG), Movimento Negro Unificado (MNU/MG), Federação Quilombola de Minas
Gerais-N´Golo, Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES),
Movimento Serra Sempre Viva, SOS Vargem das Flores, Observatório da
Evangelização da PUC/MG, Paróquia São Raimundo Nonato, Movimento Todos Contra o
Rodoanel, Diretório Municipal do PT de Santa Luzia, Diretório Municipal do PSOL
de Santa Luzia, Jornal Brasil de Fato, Site Luzias etc.
Nos
últimos meses, várias manifestações, atividades e atos públicos vêm sendo realizados
continuamente em toda a RMBH com o objetivo de denunciar o Rodoanel, megaprojeto
devastador: notas, manifestos, artigos, panfletagem, faixas, lives (veja canal
youtube frei Gilvander), aulão, vídeos, rodas de conversa, carro de som denunciando
nas ruas dos bairros, carreatas, reuniões virtuais e presenciais, entre outros.
Na
Missa Afro e no Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos foram proferidas
falas e manifestações que reiteraram e ecoaram alto que o projeto do Rodoanel não
será aceito em nenhuma hipótese, pois todo e qualquer trajeto/traçado será
brutalmente devastador e injusto socialmente. O Rodoanel não será uma rodovia
pública, mas “privada”, com o pedágio mais caro do Brasil: acima de 35 centavos
por KM, totalizando mais de R$70,00 de pedágio para ir e voltar, passando por
esse famigerado Rodoanel. Quem poderá pagar acima de R$70,00 por dia durante
toda a semana para ir trabalhar e voltar? Assim, o rodoanel é obra tecnocida,
ecocida e de cunho racista ambiental, onde deverão circular os grandes
caminhões de escoamento de produtos da mineração, do agronegócio e industriais,
por isso a denominação “Rodominério”, incentivando a ampliação e a instalação
de empreendimentos danosos à RMBH.
O
Rodoanel não resolverá em nada os problemas de mobilidade em BH e na RMBH, pois
o que precisa, respeitando os acordos climáticos e as normas internacionais
para o bem viver nas cidades, é incentivar projetos comprometidos com a baixa emissão
de carbono e não investimento em novas rodovias voltadas para o tráfego de
caminhões e veículos pesados. Os problemas de mobilidade urbana em BH e RMBH
podem ser equacionados com: 1) Ampliação do metrô para várias cidades da RMBH;
2) Resgate do transporte de passageiros através de trens, o que existia entre
as 34 cidades das RMBH com BH; 3) Melhoria no transporte público por meio de
ônibus.
O
megaprojeto do rodoanel, portanto, vai na contramão das orientações
internacionais de cunho socioambientais e urbanísticos para as cidades e,
concretizado, funcionará como uma grande
muralha na RMBH, desalojando moradores, escolas, apartando inúmeras comunidades
e bairros, mutilando territórios tradicionais, sítios históricos, áreas da
agricultura familiar, áreas verdes, bichos, plantas, nascentes, aquíferos e
unidades de conservação ao longo dos seus mais de 100 km de extensão.
A
organização popular está a cada dia se fortalecendo contra mais esta aberração
e desrespeito ao povo, aos viventes, às terras e às águas de Minas Gerais.
“Olhem bem as montanhas” e valorizem as águas que delas emanam...
FORA,
RODOANEL! FORA, RODOMINÉRIO!
Santa
Luzia, 03 de novembro de 2021.
[1] Professor de Sociologia, doutorando em Ciências Sociais pela PUC
Minas, colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas, morador
de Santa Luzia e membro do movimento das comunidades quilombolas de Santa Luzia
e região impactadas pelo Rodoanel e do coletivo Salve Santa Luzia. E-mail: galduraes@gmail.com
[2]
Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Antropologia e
Arqueologia-FAFICH/UFMG; Historiadora e Membro do CEDEFES, do Movimento Serra
Sempre Viva, do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios-ICOMOS/Brasil. E-mail:
alenicebaeta@yahoo.com.br
[3] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da
CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB
(Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[4] Advogado popular e integrante do
Movimento Serra Sempre Viva, de Ibirité, MG. E-mail: henriquelazarottioliveira@gmail.com - Os autores e autora deste
artigo integram o Movimento Todos Contra o Rodoanel na RMBH.
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